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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Aparecida Silvino e Celso Viáfora estarão sábado no Mercado dos Pinhões



Neste mês, a Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) promove uma programação especial noMercado dos Pinhões no sábado, dia 26, com a presença da cantora Aparecida Silvino e do compositor, intérprete e violonista Celso Viáfora.

Reunindo uma das mais aplaudidas intérpretes da cena musical cearense e um compositor de renome nacional, a apresentação celebra a parceria e a cumplicidade entre os dois artistas. Sorte do público, que poderá conferir as influências e criações de Aparecida e Celso, em clima de fértil e criativa informalidade.



Aparecida Silvino foi agraciada com Prêmio Nelsons da Música Cearense como Melhor Intérprete Cearense e Melhor Intérprete Feminina, em 2003 e 2004. Ganhou o título de Melhor Intérprete no Festival da Meruoca/CE, defendendo a música “Curta a vida”, composta em parceria com Zé Edu Camargo, em 2006. Entre seus parceiros musicais, estão: Sonekka, Zé Edu Camargo, Luhli, Gilvandro Filho e Alan Mendonça. Na apresentação no Mercado, Aparecida lança seu segundo cd "Sinal de Cais", totalmente autoral.



Celso Viáfora ingressou no cenário artístico em 1979, participando de festivais e apresentando-se em teatros do Rio e S. Paulo. Tem músicas gravadas por Ney Matogrosso ("A cara do Brasil"), Nana Caymmi (“Só Prazer”), Jane Duboc ("De alma e corpo), Simone (“Atlântida” e “Veneziana”), Vânia Bastos ("Linda de lua"), Ivan Lins ("Papai Noel de camiseta" e “Deus de Deus”), Nílson Chaves ("Não vou sair", “Olhando Belém”, entre outras), Eduardo Gudin ("Minha cara no espelho"), Jane Monheit (“Rio de Maio”), Maria Scheneider (também “Rio de Maio”), Fafá de Belém ("Cio baby doll"). Em 2010 lançou o seu primeiro DVD e sétimo CD, “Batuque de Tudo”, gravado no ESTÚDIO SOLLUA, todo ele situado dentro de uma fazenda, em Alambari-SP, onde recebeu parceiros de longa data.

Fonte: Secultfor

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Carmina Burana, de Carl Orff, detém a grandiosidade orquestral e exuberante alegria



Carmina Burana é uma cantata cênica de poesias latinas medievais, pretendida para ser representada e dançada, posta sobre textos em baixo latim e baixo alemão, os quais foram extraídos de uma colocação de duzentas peças poéticas diversas compiladas pelo final do século XIII.
A palavra Carmina é o plural de Carmen (em português, Canção). O título inteiro significa literalmente: Canções dos Beurens; esta última palavra se refere ao fato de que os textos escolhidos para esta cantata secular foram descobertos em 1803 em um velho mosteiro beneditino da Baviera, em Benediktbeuren, no sudoeste da Alemanha.
Esta cantata é emoldurada por um símbolo da Antigüidade, o conceito da Roda da Fortuna, eternamente girando, trazendo alternadamente boa e má sorte. É uma parábola da vida humana exposta a constante mudança. E assim o apelo em coral à Deusa da Fortuna (O Fortuna, Velut Luna) tanto introduz quanto conclui a obra, que se divide em três seções: o encontro do Homem com a Natureza, particularmente com a Natureza despertando na primavera (Veris eta facies). Seu encontro com os dons da Natureza, culminando com o dom do vinho (In taberna); e seu encontro com o Amor (Amor volat undique).
A maioria dos mais de duzentos poemas sacros e seculares remonta ao século XIII e foi escrita por um grupo profano de errantes chamados Goliardos. Estes monges e menestréis desgarrados passavam o seu tempo deliciando-se com os prazeres da carne e os poemas que eles deixaram, faziam a crônica de suas obsessões por vezes ao ponto da obscenidade.
Este manuscrito abrange todos os gêneros, de versificação erudita à paródias de textos sacros, incluindo canções de amor e melodias irreverentes e até grosseiras. O fato de que o texto original destes Poemas de Benediktbeuren seja executada hoje em dia com tão extraordinário sucesso artístico, permite ao ouvinte discernir ainda melhor as intenções de Orff onde sua música não se expressa claramente.
Como uma antologia, Carmina Burana apresenta tudo o que o mundo cristão entre os séculos XI e XII fora capaz de exprimir. Aquela época não foi secionada como a nossa, nem inibida pelos nossos tabus. Assim, os autores anônimos dessas saturnálias escritas não temiam espalhar a chama incandescida pelo contato inesperado de uma melodia litúrgica e uma blasfêmia, mais precisamente um priapismo verbal, ou inversamente de uma nova melodia profana e uma profissão de fé.
Neste sentido, a coleção original restaura para nós, todo um cosmo onde o Bem não existe sem o Mal, o sacro sem o profano e a fé sem maldições e dúvidas: a oscilação onde se encontra a grandeza da Humanidade.
A dialética freudiana foi necessária para a redescoberta deste humanismo medieval até então considerada bárbara e cruel; uma vitalidade que permitiu ao homem sobreviver ao sofrimento da guerra, o mundo infestado pela praga em que ele era submetido à injustiça, à instabilidade, e mantido na ignorância de tudo que não fosse santificado pelo dogma. Sabemos que insultos dirigidos contra a autoridade, palavras ofensivas e blasfêmias que temperavam de maneira acre a expressão dessa energia vital eram herdadas do mundo antigo e chegaram ao começo do renascimento na tradição dos Carnavais e Triunfos que Lorenzo de Medicis e Rabelais ilustrariam, cada qual por sua vez.
Esta genealogia espiritual era tão familiar a Orff que ele concebeu Carmina Burana como apenas o primeiro elemento de uma trilogia intitulada Trionfi-Trittico Teatrale, que incluiria Catulli Carmina (1943) e Trionfi dell'Afrodite (1952), uma obra que revelou a significação do todo: só o Desejo e o Amor podem capacitar o Homem a viver, lutar e crer.
A primeira apresentação de Carmina Burana foi na Ópera de Frankfurt em Junho de 1937. Causou uma grande impressão sobre o público, e a aclamação mundial que recebeu a partir daí prova que não perdeu nada do seu efeito hipnótico.
A trilogia Carmina Burana é obra coral de exuberante alegria e fortes acentos eróticos; a obra, inicialmente destinada para representação como ópera, venceu, porém, nas salas de concerto. A música é deliberadamente anti-romântica. É uma música inteiramente original, quase sem harmonia, baseada só em elementar forma rítmica, acompanhada por orquestra inédita: principalmente instrumentos de percussão e vários pianos.
O manuscrito original inclui poucas melodias anotadas que Carl Orff levou em consideração, mas não citou diretamente, ampliando apenas sua atmosfera particular com instrumentos ancestrais que usou em seu Método, aqueles mais exigidos pela música contemporânea: uns poucos instrumentos de sopro, sem violinos, mas uma ampla família de percussão.
Não há contradição entre a obra do compositor e seu Método: ambos falam ao mesmo irredutível descendente dos homens das cavernas, que aparentemente estão tão pouco à vontade hoje em dia em seu universo de ar condicionado.



Extraído de http://reduce.to/carminaburana

domingo, 20 de novembro de 2011

Sensualidade vencia a tristeza e a dependência química nos quadros de Rossetti


A modelo é Jane, do quadro O Devaneio (1880), mulher do artista plástico William Morris, pintada por Dante Gabriel Rossetti (1828-1882), integrante do Grupo Pré-Rafaelita. O artista nasceu de uma familia de artistas e versátil. Era também poeta e sua arte, a exemplo de outros artistas do movimento, forma uma mistura de representações pictóricas com referências em obras literárias.
Rossetti foi casado com Elisabeth Siddal, sua modelo em Ofélia (inspirada na peça de Shakespeare). Antes, porém, já havia se especializado em retratar donzelas de estonteante beleza, sempre atento a detalhes. Elisabeth, uma jovem neurótica e viciada em drogas, morreu dois anos após o casamento, deixando o artista arrasado. Logo depois tentaria o suicídio, mergulhando nas bebidas e também nas drogas.
No quadro, nota-se uma disciplicência da mulher com relação ao livro e às flores. Ninguém sabe a origem de seu devaneio, mas entende que o pintor se esmera num ideal feminino, na plena beleza. O verde predomina a cena, mas se distribui em matizes das folhas e na cor do vestido. Há uma atmosfera de sensualidade, a mesma que sempre inspirou seus óleos.
A perda do vigor sexual e a depressão tiveram, no passado, grande influência na vida da pessoas e, especificamente aqui, na vida dos artistas. T.S Eliot demonstrou seu desespero e a impotência sexual em seus poemas como Terra Devastada. Viveu tempos de tristeza infinita. Somente encontrou alegria aos 68 anos, quando se casou com sua secretária de 32. Picasso recorreu a degradar os rostos pintados de ex-amantes.
Foram poucos aqueles que, sem os remédios encontrados hoje, puderam superar com o amor a depressão e a impotência. Sartre, já cego, morreu deprimido, apesar de ter esnobado um Nobel de Literatura, e ter a vida cercado de mulheres. Hoje, esses tormentos seriam combatidos com a química.

Quando foi a última vez que vimos Mark Morrisroe?



Mark Morrisoe (1959-1989) morreu jovem, mas teve tempo de ser contemporâneo do seu sucesso como artista. Ao longo de uma vida curta, tinha mais de 2.000 peças de trabalho com o seu nome, como fotógrafo e performático, uma arte colaborativa que ganhou força na década de 1980 nos Estados Unidos. Foi assim que fez este auto retrato, em 1983, quando padecia das complicações da Aids.
Nos seus 30 anos de existência, trabalhou com polaroids, filmes super 8, colagens e manipulação de cores. Fotografou seus amantes, traficantes e expoentes do movimento punk, que se destacou em Boston, entre as décadas de 1970 e 1980, além de paisagens e amigos que frequentavam seu apartamento.
O reconhecimento pela originalidade, a criatividade e sua participação pessoal nas fotografias lhe rendeu exposições e aquisição de obras de colecionadores ricos. Seu trabalho foi exibido pela Galeria Pat Hearn a partir de 1985, incluindo exposições individuais em 1986 e 1988.
Ele sentia grande necessidade do auto retrato. Quando tinha 17 anos, foi baleado pelas costas, por um cliente que ficou insatisfeito pelo seu trabalho. Depois incorporou imagens de seu peito ferido a de prostitutas e amigos íntimos. Isso somente reforçava seu empenho na arte undergroud, nas escolhas muito particulares de sua vida pessoal e no tipo de arte que melhor expressava a sua criação.
A fotografia, que imortalizou seu momento quando jazia no leito nu e somente pele e osso, surgia ainda quando a Aids era temida e que tornava os homossexuais ainda mais vítimas da homofobia. Não era a coragem que lhe rendia elogios, mas a estranheza da composição, que se mesclava a resignação e a ternura que nunca lhe abandonou.
Tal como o câncer, a Aids leva as pessoas ao desespero. Quem teve amigos que morreu de complicações do HIV em meados de 1980 sabe o quanto enloqueciam, tão logo a doença era diagnosticada. Daí que havia transformações radicais, e em períodos muito curtos, de personalidades, atitudes e formas de criação, no caso de artistas. Assim como no filme Quando foi a última vez que você viu seu pai?, também era pertinente perguntar quando foi a última vez que se viu Cazuza, Renato Russo e, nesse caso específico, Mark Morrisoe.
O fotógrafo foi enterrado em McMinnville, Oregon na fazenda de seu último namorado, Ramsey McPhillips. Sua fama aumentou desde a sua morte.

sábado, 19 de novembro de 2011

A ficção que embalava os sonhos de Maika, a falsa judia



Ha alguma manifestação artística que caberia a história de Maika, a judia. Na verdade, esse não era seu nome verdadeiro e nem tampouco era judia aquela que eu conheci. Sua passagem marcou profundamente minha adolescência e boa parte parte da vida adulta. Fui moldando minha formação e meu gosto literário, bebendo dos livros emprestados daquela mulher morena, de seios volumosos, olhos castanhos e com uma das bocas mais lindas que já tinha visto quando recitava poesias.
O que parace mais distante da mentira é que Maika era uma empregada doméstica de uma judia, que se chamava, essa verdadeiramente, Maika. A fêmea de carne e osso que nos atraía à sua casa com pretextos de saraus, dizia-se parte do Povo Eleito. Há algumas décadas, contava, ascendentes seus vieram ao Brasil, ao conseguir fugir das perseguições nazistas e, sobretudo, dos campo de concentração. Saíram da Bulgária, através de Portugal, e se instalaram num pequeno povoado do interior gaúcho. Pouco se sabe da história de Maika auto ego e a que trazia na sua linhagem a estela de Davi, porque essa ficou ensombreada pela falsa.
Aos poucos, fomos sabendo que herdou a casa, os livros e a identidade da patroa já falecida. Então, posso compreender porque não sabíamos muito das tradições judaicas. Na minha ingenuidade, percebia no primeiro momento que assim como sua cor havia se miscigenado, suas referências intelectuais se tornaram universais, multiraciais e antrópicas.
No entanto, chegamos a imaginar o que aconteceu com a autêntica, pelo que externava a cópia, sempre muito extrovertida, letrada, conhecedora da obra de Jorge Amado (daí passei a amar, primeiramente platonicamente, a Bahia) e os clássicos: T.S Eliot, Ezra Pound e Emily Dickinson. Sabia versos decorados, que entoava com tons equilibrados de dramaticidade ou deslumbramento, dependendo da ocasião. Infelizmente, isso acontecia menos nos momentos em que se encontrava sóbria.
Entre delírios etílicos e sem a definição do que era crível, conviviamos com a antonomásia. Por tanto, soube que havia nascido no Rio Grande do Sul.
Depois, os pais faleceram. Com os recursos deixados pela família veio para ao Nordeste, morando na Bahia, onde teve uma filha, e conheceu o Ceará, onde se encantou com o litoral, o provincianismo e a hospitalidade locais. Sem trabalho e com a velhice avançando, foi se desfazendo dos bens, ficando apenas uma casa com três quartos e uma grande biblioteca, com muitos livros publicados em Inglês e outra parte em Português.
Certa noite, quando eu e um amigo bebíamos em sua casa, ela falou frases numa língua desconhecida. Disse que era hebraico. Não podíamos contestar. Mas quando recitou Terra Arrasada, de Eliot, acompanhei num livro, e vi que na tradução não faltava uma palavra.
O que é verdadeiro ou não nessa história, nunca procurei saber tenazmente. Alguns fatos me foram expostos, quisesse ou não reconhecê-los. Preferi, por muito tempo, acreditar que nada merecia ser questionado e sim lamentado: a descaracterização que via em cada dia no rosto daquela mulher, embriagada e pedindo sempre dinheiro para beber mais.
A dúvida pelo atavismo capenga, o irracional no lugar do racional, o virtual, o simulado e a ficção se sobrepondo o absoluto chegariam a um fim. Não da forma cruel como aconteceu. Contudo, surgiu do fato de que nenhuma mentira perdura a vida toda ou por muito tempo. Cedo ou tarde, alguém desconfia, suspeita, investiga, bisbilhota e desconstrói a fantasia. Aí resplandeceram os apontadores de dedos, os mestres na destruição de sonhos, as serpentes que invadem o paraíso, tal como relata o livro de Moisés.
A doméstica, pela bebida e pela realidade que não conseguia extirpá-la da sua vida, ia ficando feia e desesperada, como personagens de literatura já conhecidos e outros que estariam em elaboração. Já prestes a me despedir dela e do lugar onde vivia, perguntei sem nenhuma pretensão de fazê-la sofrer, sobre que nome gostaria de ter, se lhe fosse dada uma escolha. "Maika. Não consigo me ver sem este nome". E assim viveu o mito, que foi mais resistente do que a verdade.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O Existencialismo é um humanismo

José Cícero nos conta sobre o dia que viu o Salgado lá de cima



Tomo a liberdade para publicar aqui essa poética e sentimental crônica do secretário de Cultura de Aurora, José Cícero

O dia em vi o Salgado lá de cima...

Por José Cícero*

O que me fez viajar de avião pela primeira vez na vida não foi o desejo da experimentação, nem por necessidade profissional, tampouco a curiosidade como tem sido comum a muitos que se dão a este mister. Malgrado está eu já mergulhado na chamada idade da razão. Ainda assim, continuo morrendo de medo de voar. Posto que não confio o suficiente na suposta mecânica infalível das máquinas mundanas. Como de resto, confesso, não tenho tanta pressa de viver...

Nunca quis me dá a este luxo, da ousadia (a meu ver) perigosa de querer inutilmente me igualar ao poder dos pássaros. Ou quem sabe, como muitos dizem; sentir por completo a imensurável sensação de está muito mais perto de Deus.

Mas não. Que me perdoe o nosso bom e visionário Santos Dumont... A sua fantástica invenção ainda não tocou este meu ser medroso e provinciano por completo... Diria, entretanto, que o meu medo de voar ainda é forte o bastante, ao ponto de eu preferir a segurança de continuar andando pelo chão, apenas com receio de alguns pequenos tombos. No fundo, o medo da morte é, em última instância, o grande fantasma que carrego nestes momentos de vacilações imponderáveis. Eis aí a razão maior do meu verdadeiro pavor de avião. Além da crença na lei das probabilidades, claro.

Portanto, como disse, o que me impulsionou a viajar de avião pela primeira vez foi tão somente a vontade de puder enxergar do alto – o rio da minha aldeia Cariri, pelo qual devoto ainda hoje uma verdadeira adoração. Salgado é seu nome. E que para mim é, indubitavelmente, o rio mais doce do mundo. Decerto, o caminho da nossa ancestral colonização. E que, através do qual, subjetivamente, correm todas as minhas melhores memórias afetivas.

Ansiava assim, vê-lo lá de cima em toda a sua grandeza ambiental. Uma realização de um antigo sonho de menino ribeirinho. Queria lobrigá-lo de forma diferente. Do altíssimo monte. Quem sabe, do Nebo do mundo. Na sua compleição mais forte, completa e verdadeira. Como sempre sonhei desde que me entendi por gente.

Aspirava enxergá-lo, da mesma perspectiva dos pássaros altaneiros. Ver como ele era de verdade na sua exuberante geografia hídrico-geológica; serpenteando e cortando o solo sagrado do rincão em que nasci, como que correndo a vida inteira deixando para trás a Araripe. Como um sertanejo do oco do mundo, ansiando também ver o mar pela primeira vez. Este, ainda agora é o Salgado que tenho comigo, junto ao peito e que me fez perder o medo de voar pelo menos por alguns instantes...

Vislumbrar, portanto, com meus próprios olhos do alto dos céus, algo que do chão eu já imaginava, mas queria ter certeza, isto é, todas as agruras da sua degradação total. E a partir daquele momento, na sua versão mais verdadeira e cruel possível. Queria ver o Salgado de cima, quem sabe para cobrar de Deus em meus pensamentos e orações o direito a sua proteção. Deste modo, tive que vencer meu medo e adentrei o avião pela primeira vez, na esperança de avistar todo o panorama do meu Salgado. Seus afluentes riachos, suas feridas abertas e sangrando em carne viva.

E confesso. Caso eu tivesse morrido naquele momento. Havia de morrer feliz e em paz por haver realizado o meu desiderato de menino-adolescente, ou seja, ter visto o Salgado do alto, tal qual o belo carcará – a águia do Nordeste. Mesmo após ter constatado o quão maltratado está todo o seu bioma. Foi-me, por assim dizer, uma visão deveras surreal e inesquecível.

Mas também fiquei triste e desolado quando o vi daquele jeito. Do alto foi possível enxergar todo o amargor daquele rio. Uma imensa angústia invadiu meu peito por completo. Chorei por dentro como jamais havia chorado. Posto que, senti em mim mesmo, no mais profundo do meu íntimo as dores porque passava o rio da minha infância.

Psicologicamente ouvi seus gritos a nos perdir socorro, como som de mil trombetas a romper meus tímpanos, muito além do barulho provocado pelas turbinas daquele avião. Vi o Salgado como uma criança no mais completo abandono. Um cristão moribundo em seus últimos estertores. Um desvalido em seus desesperos. Uma metáfora em carne e osso do próprio homem sertanejo entregue à própria sorte. Toda uma geração de oprimidos e injustiçados de mãos levantadas aos céus, pedindo a intervenção divina para amainar o seu destino.

Fingindo está com medo passei boa parte daquela viagem refletindo. Pensando dentre outras coisas, como tivemos coragem de deixar que aquele rio chegasse aquele ponto. No limite. Quase um caminho sem voltar... para em seguida, concluir: ser a humana raça a própria besta-fera da vida em particular e, das espécies em geral.

E as águas do Salgado que corriam lá embaixo na direção do Castanhão eram como lágrimas dos que choram e sofrem a vida inteira, a própria tragédia das gentes sertanejas. Desiludido daquele avião, pude finalmente perceber que somente eu enxergava o Salgado em seu iminente caos. Dado que, todos os passageiros (ao que pareceu) estavam entretidos demais com seus assuntos comezinhos e cotidianos, ilusões mirabolantes, preocupações de negócios, vontades de poder e de dinheiro...

Os que ali voavam pareciam esquecidos, não apenas do drama salgadiano, mas do planeta inteiro, tamanha era a indiferença diante do horrível panorama que era possível se perceber lá embaixo. Um chão sem cor, calcinado, corroído, retalhado, acinzentado. Quase um novo Saara do meridional cearense. Fumaças das queimadas em evidências. Raridade de clorofila. O verde como que na mais completa extinção total... Uma tragédia ecológica e humana plenamente anunciada.

E quando por fim desembarquei tive a inusitada sensação de que somente eu sobrevivi a grande tragédia daquele vôo marcante. Apenas não compreendi como foi possível, a mais ninguém se dá conta de algo tão tocante, evidente e perigoso quanto está sendo a destruição dos nossos ecossistemas e seus recursos naturais.

E saber que um dia tudo ali embaixo era tomado pelo verde das matas virgens. Abundância de fauna e flora. Um oceano de água doce. E que o rio Salgado corria forte e exuberante o ano todo, engravidando literalmente o Jaguaribe na sua ânsia igualmente invencível de querer ser mar. Eu chorei por dentro como nunca...