Pesquisar este blog

Olá

Muito me alegra pela sua visita. É um blog pretensioso, mas também informativo

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Ralph Della Cava recebe título de Doutor Honoris Causa pela UFC

Ralph Della Cava em sua última visita ao Ceará, durante a III Conferência Internacional sobre o Padre Cícero
O historiador norte-americano Ralph Della Cava, um dos maiores pesquisadores sobre a vida do Padre Cícero Romão Batista (1844 – 1934), receberá o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Ceará na próxima sexta-feira (30), às 19h, no auditório do Campus da UFC no Cariri, em Juazeiro do Norte. O evento é aberto ao público e contará com a presença do homenageado e do Reitor Jesualdo Farias, autor da proposta do título para Della Cava, cuja aprovação se deu, de forma unânime, em junho deste ano, pelo Conselho Universitário. Na ocasião, será distribuído O livro “Onze vezes Joaseiro”, que reúne ensaios sobre a cidade de Juazeiro do Norte. Della Cava viveu 14 meses entre Fortaleza, Juazeiro, Rio de Janeiro e outros lugares do País, estudando um tema que sempre foi cercado de polêmica: a vida de Padre Cícero. Em meados de 1964, na Biblioteca Municipal de Fortaleza, o pesquisador iniciou os estudos,  que culminaria no livro “Miracle at Joaseiro” (Milagre em Juazeiro), publicado em 1976, pela Editora Paz & Terra, obra considerada uma das mais aprofundadas sobre o tema. Todo o acervo pesquisado acabou sendo doado em vida pelo autor para uma universidade norte-americana e chegou até ser aplaudido por isso por intelectuais locais.
Em setembro de 2005,  entrevistei Della Cava  para a Revista Plenário, publicada pela Assembleia Legislativa. A matéria tratatava sobre os esforços do bispo do Crato, dom Panico, pela reabilitação de padre Cícero.

Entrevista
"Cento e setenta e um anos depois do nascimento de Padre Cícero e 71 depois de sua morte, ele permanence como um dos maiores personagens do Brasil contemporâneo, um santo e taumaturgo dos humildes da terra". A afirmação é do historiador norte-americano Ralph Della Cava, 70 anos, que doou o material de seus estudos sobre o Padre Cícero à Biblioteca Latino-Americana da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos. Ele começou a estudar a vida e a obra do fundador de Juazeiro do Norte na década de 1970. Ao longo de quatro décadas, foi acumulando livros, cordéis, fotografias, xilogravuras, documentos e cerãmicas num trabalho apaixonado pela mística de quem considera como o que há de mais extraordináriuo em matéria de milagres e história. Os motivos da doação, anunciada em abril deste ano, foram relatadas como um sentimento de medo. Ou seja, que este precioso tesouro pudesse se estragar, caindo vitima de herdeiros , leiloeiros e cupins, além, é claro, da pressão de sua mulher, Olga, bibliotecária, que o ultimava para que desse um destino ao acervo ainda em vida. Della Cava é professor emérito de história de Queens College da City University of New York e atualmente é Pesquisador Senior Associado do Instituto de Estudos Latinoamericanos (ILAS) da Columbia University na Cidade de New York.
Pergunta: Como o senhor vê, hoje, os movimentos da Igreja Católica para a reabilitação do Padre Cícero?
Resposta. Esses movimentos existem há muito tempo e os resultados são bastantes complexos e incertos. Houve esforços inumeráveis para retificar o estado de Padre Cícero como um padre de posição regular a partir do século XIX. Na realidade, logo após a ocorrência dos primeiros milagres alegados. Não obstante, todos os tais esforços foram malsucedidos. O que é sem igual trata-se da iniciativa presente, originada da Diocese de Crato, ao perceber as muitas sanções contra o pároco de Juazeiro, da mesma maneira, como as elites do Crato e os líderes posteriores denegriram freqüentemente sua imagem dentro um espectro desesperado, e também fracassando a tentativa para evitar o próprio declínio político e econômico desses segmentos. Mas, com respeito ao movimento atual, temos que perguntar qual é seu objetivo preciso. Seria reabilitar Padre Cícero com relação a essas sanções ou é, como o Bispo atual de Crato insistiu repetidamente, reconciliar " a igreja com os dois milhões de romeiros que vão a cada ano a Juazeiro, além de milhares de devotos existentes por todo o Nordeste, bem como os seus descendentes, que ajudaram fazer o município o segundo mais próspero no estado de Ceará?" Como bispo, Dom Fernando Panico, tem pela primeira vez na história da diocese uma iniciativa pública de antagonismo aos antecessores no que diz respeito a Juazeiro e seu romeiros. Incitando a reabilitação, como é a visão de Dom Fernando - como o perito pastoral que ele é - de como melhor a Igreja poderia servir às necessidades espirituais e materiais destes crentes. À  esse fim, desfruta o endosso da Conferência Nacional de Bispos de Brasil (CNBB) e, como foi informado na imprensa, do Papa Benedito XVI, por ocasião em que foi Perfeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Os romeiros sentirão de perto a diferença de um padre Cícero restabelecido por Roma dos sentimentos que eles têm agora, como o padre de longo-sofrimento, proclamado como santo e intercessor de milagre há muito tempo - apesar da Igreja? Essa é, pelo menos, a pergunta interessante disposta por meu colega o Gilmar de  Carvalho. Mas, aqui também, só o tempo contará.
P. Em algum momento, em suas pesquisas, houve a descoberta de uma espiritualidade de fato singular que explicaria o fenômeno da reverência e da romaria convergindo para Juazeiro do Norte?
R. O fervor religioso origina-se da predominância de condições sociológica para a sua elevação extraordinariamente rápida em Juazeiro em população e influência econômica dentro de dez anos dos milagres alegados de 1888-1889. As romarias foram incitadas no princípio pelos " fatos extraordinários de Juazeiro " – relacionados à Beata Maria de Araújo, dando conta de a hóstia em sua boca foi transformada em sangue, imediatamente proclamado pelo clero para ser isso de Jesus Cristo. Então, com as grandes secas de 1888 e 1915, os romeiros eram indistinguíveis de retirantes na procura deles por um porto seguro, no qual eles acharam a fertilidade nos campos do Cariri. Durante as primeiras três ou quatro décadas do último século, milhares de migrantes procuraram Juazeiro - em um dos grandes movimentos demográficos internos da história brasileira moderna, o que se constitui num daqueles restos de silêncio a serem estudados.
P. Na sua pesquisa, o que foi considerado como a grande contribuição de Padre Cícero?
R. O serviço abnegado dele para os outros! Para os romeiros - que tornou Juazeiro possível - ofereceu isso que nenhum dos coronéis locais, fazendeiros e políticos não puderam, afirmando que se trabalhasse com dignidade, com deliberação sábia e a esperança duradoura de uma vida melhor, aqui e no futuro.
P. Tem-se afirmado que Padre Cícero ainda é muito pouco estudado. Que expectativa tem com o recente fato de ter doado seu acervo para a Biblioteca Latino-Americana da Flórida? Amplia-se a possibilidade ser melhor conhecido e difundido?
R. Não é que o Padre Cícero seja "pouco estudado," mas - como todo sujeito histórico em torno do qual continua a surgir tanta controvérsia - será sempre estudado. O momento atual não pode ser mais propício: muitos novos documentos, todos inéditos, apareceram, como o foi anunciado o ano passado durante o III Simposio Internacional sobre o Padre Cícero realizado em Juazeiro. Também porque vários arquivos antes inacessíveis ou não publicados - como os de Gilmar de Carvalho e Renato Casimiro, dois estudiosos do mais alto gabarito - estão hoje a disposição dos pesquisadores. Quanto à doação do meu arquivo sobre o Padre Cícero, ser facilmente acessivel a todos e permanecer bem e profissionalmente cuidado eram as condições que a Universidade de Florida em Gainesville (Estado de Flórida, EUA) se comprometeu de respeitar. E já cumpriu em parte: restaurou o microfilme dos arquivos do Colégio Salesiano de Juazeiro e da Diocese do Crato que eu filmei, chapa por chapa, em 1964; dele já fez uma cópia positiva (de mil sete centos pés de comprimento) a ser doada ao acervo da Universidade Regional do Carirí; colocou uns primeiros títulos e fotos no site da Biblioteca Latinoamericana (http://web.uflib.ufl.edu/lac/Brasiliana.html); e organizou em abril e maio deste ano uma mostra seletiva de artefatos, livros e fotos tirados do meu acervo - e com a promessa que não será a última.
P. Quais os motivos dessa doação?
R. Numa palavra: o medo! O medo de que este precioso tesouro pudesse se estragar, caindo vitima de herdeiros , leiloeiros e --- cupins! Foi a minha mulher, Olga, por muitos anos arquivista e bibliotecária na Columbia University, que entendia da urgência em achar um depósito certo. Precisava-se dum grande centro de estudos sobre América Latina com recursos permanentes, um equipe profissional, e um programa de estudos pós-graduados em religião, política e sociedade. Assim, a escolha caiu na Flórida (que era nem onde estudei nem onde lecionava) e assim tanto o meu acervo ganhou uma nova vida como as futuras gerações de jovens pesquisadores fontes preciosas.
P. Como avalia a vida política de Padre Cícero?
R. Diria que o grande momento na vida política de Padre Cícero foi quando ele deu o seu aval irrestrito à campanha de Juazeiro de independência do município do Crato, lá pelos anos de 1908 ate 1911. Atras deste empenho absolutamente consciente da sua parte foi a sua persistente aspiração de localizar em Juazeiro o futuro "Bispado do Cariry", um projeto que em retrospecto coincidiria com o dos Alencar para uma grande província interioriana do Cariry num Brasil independente.
Tanto o Padre José de Alencar Peixoto, oriundo de Crato como o Padre Cícero, como o ambicioso forasteiro baiano, o Doutor Floro Bartholomeu, militaram para avançar o sonho. No caso do Bispado do Cariry nunca teve a menor chance, dada a intransigência de Roma na época para com o Padre Cícero.
Com respeito à "revolução de 1914" e as suas conseqüências, tudo que eu vi nos arquivos que consultei indica que o Padre Cícero nem estava a par das tramas. Costuradas por Doutor Floro, o Coronel Antônio Luiz Alves Pequeno, o então "mandachuva" de Crato, e o Senador Pinheiro Machado, elas se desenvolveram a revelia do padre e, o que pareceu, contra a sua vontade.
P. De um modo geral, como se distingue a mística e a vida secular do sacerdote?
R. Eu diria que eles eram urdidura e textura de um único pano.
Realmente, se você tivesse viajado os sertões no XIX até a metade do último século, você não teria achado um padre católico romano mais ortodoxo que Padre Cícero. A vida espiritual dele foi ancorada na honra dos votos sacerdotais e centrada ao redor de oração e ações prescritas pelo Conselho de Trento, devoções místicas, em honra do Coração Sagrado de Jesus e prometendo para seus devotos a ab-rogação de castigo físico na vida após a morte para os pecados deles.
Como o grande antecessor dele, Padre Mestre Ibiapina, aconselhou os homens e mulheres na eficácia de oração e vivência honesta. Falou de modos que o roceiro mais humilde poderia entender, dispensou os seus bens entre os mais necessitados, assim como os bens dele e propriedades para ordens religiosas para promover educação.
No conflito com Roma, ele buscou ano após ano, a restituição das suas ordens sacerdotais A obstinação dele naquela intuíto, a insistência inicial na veracidade dos milagres, o envolvimento largamente involuntário dele em políticas, e a preferência irrestrita pelo pobre conduziu durante os anos tranformaram-no em um mito. Eu e outros investigadores tentaram fazer um retrato mais verdadeiro para a vida e com tanta recisão quanto as fontes e nossas corcundas permitiriam.
P. Na condição de intelectual, como tem debruçado pelos supostos milagres atribuídos àquela região?
R. A minha paixão intelectual reside em descubrir a maneira em que nós construímos o nosso mundo e tentamos torná-lo mais justo e igualitário, transparente e tolerante. No caso do "milagre de Juazeiro"  enxerguei como um grande e excepcional acontecimento em torno do qual surgiu um movimento social que continua até hoje, evidentemente sob formas diversas, na tentava de entendê-lo. Imagine só: 171 anos depois do nascimento de Padre Cícero e 71 depois de sua morte, ele permanence como um dos maiores personagens do Brasil contemporâneo, um santo e taumaturgo dos humildes da terra, enquanto a cidade que ele "fundou" floreceu precisamente como um porto seguro para todos os refugiados da miséria, injustiça e infortúnio. Em matéria de milagres e história,  tudo isto não é já bastante extraordinário?

Nenhum comentário:

Postar um comentário