"Conhece-te a ti mesmo". É a pilastra fundamental da filosofia de Sócrates (469-399 A.C).
A verdade é que ele não deixou nada escrito e tudo que sabemos nos foi passado pelos seus discípulos principalmente Platão e Xenofontes. Surge, então, um problema ao se discernir entre aquilo que foi dito por Sócrates, em carne e osso, ou aquilo que é atribuído à sua figura histórica e até mitológica. Esse é o caso dos últimos dias do filósofo grego, conforme narração de Fedão, que conta ter testemunhado quando se preparava para suicidar-se com veneno. O relato é empolgante e nada revela de angustiante ou da relutância em morrer, após ter sido julgado por corrupção de jovens (que também faz parte de outra obra de Platão, tratando exclusivamente do julgamento). Ao contrário de Aristóteles, que via o homem a partir de suas experiências, Platão acreditava que havia um mundo de sensibilidade e aquele ideal. Daí devemos dar os devidos descontos sobre o que é verdade ou não dos últimos instantes de Sócrates:
FEDÃO
Escrito em 360 A.C.
Personagens do Diálogo: Fedão, que é o narrador do diálogo a Equécrates de Fliunte, Sócrates, Apolodoro, Símias, Cebete, Critobulo, atendente da prisão
Cena: A prisão de Sócrates (*)
I – Equécrates — Estiveste tu mesmo, Fedão, junto de Sócrates no dia em que ele tomou veneno na prisão, ou ouviste de alguém?
Fedão — Não, eu mesmo, Equécrates.
II – Equécrates — E as condições em que morreu, Fedão? Quais foram suas palavras? Como se houve em tudo? Quais dos seus familiares se encontravam ao seu lado? Ou as autoridades não permitiram que entrassem, vindo ele a morrer privado de assistência dos amigos?
Fedão — De forma alguma; vários estiveram presentes; em grande número, mesmo.
Equécrates — Então, procura contar-nos com a maior exatidão possível como tudo se passou, no caso de dispores de folga.
Fedão — Disponho, sim, e vou tentar expor-vos o que se deu. Para mim, nada é tão agradável como recordar-me de Sócrates, ou seja quando falo nele, ou quando ouço alguém falar a seu respeito.
Equécrates — Pois podes ter a certeza, Fedão, de que teus ouvintes estão nessas mesmas condições. Esforça-te, portanto, para contar o caso com todas as minúcias
Fedão — Era por demais estranho o que eu sentia junto dele. Não podia lastimá-lo, como o faria perto de um ente querido no transe derradeiro. O homem me parecia felicíssimo, Equécrates, tanto nos gestos como nas palavras, reflexo exato da intrepidez e da nobreza com que se despedia da vida. Minha impressão naquele instante foi que sua passagem para o Hades não se dava sem disposição divina, e que, uma vez lá chegando, sentir-se-ia tão venturoso com os que mais o foram. Por isso mesmo, não me dominou nenhum sentimento de piedade, o que seria natural na presença de um moribundo. Também não me sentia alegre, como costumava ficar em nossa práticas sobre filosofia. Sim, porque toda nossa conversa girou em torno de temas filosóficos. Era um estado difícil de definir, misto insólito de alegria e tristeza, por lembrar-me de que ele iria morrer dentro de pouco. As mais pessoas presentes se encontravam em condições quase idênticas, umas rindo, outras chorando, principalmente Apolodoro. Conheces o homem e sabes como ele é.
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