"Ninguém me ama, ninguém me quer/Ninguém me chama de Baudelaire". Essa é a referência ao cantor Antônio Maria, que diante do sucesso de "Ninguém me ama", resolveu parodiar a si mesmo. Evoco essas lembranças, que constam do livro Crônicas do Fim de Milênio, de Antônio Calado, para falar de estrangeiros que adoram o Brasil, às vezes muito mais do que os brasileiros impermeáveis à grandeza, às vezes odiando e amando. Esse último caso é o meu amigo francês Pierre, casado com uma nativa de Jericoacoara. Ele se diz um cidadão do mundo e vive de eventuais serviços como fotógrafo e tradutor. É deslumbrado com a beleza paradisíaca daquela praia, considerada não sei por quem como um das 10 mais bonitas do mundo.
No entanto, passou a se queixar de seus infortúnios, quando o encontrei em Fortaleza. É que sua mulher está grávida de dois meses e não quer ter um parto normal. A alternativa de uma cirurgia cesariana está sendo comprometida porque não há como pagar um plano de saúde, pelo menos até o nascimento do filho (a). Pierre tem uma péssima imagem do serviço de saúde pública no Brasil e, em particular, no Ceará. "Nem na França da I Guerra Mundial havia algo parecido", disse-me.
Outro apaixonado é o romeno Nissim, há 20 anos no Brasil. Ele vende pedaços de bolo e pequenos copos de café em paradas de ônibus intermunicipais. Conta que é matemático e foi professor durante muitos anos em seu País. O mais curioso na sua personalidade é a forma como ele me olhou, certa vez, fitando bem nos olhos, quase encostando a testa com testa como assim fez o sargento dos fuzileiros navais com o recruta Pyle, no filme Full Metal Jacket (Nascido para matar, de Stanley Kubrick). Tudo isso porque ousei desdenhar da sua teoria de que a Amazônia é o Éden da Humanidade, comprovando dessa maneira a existência de Deus. Afirma que sua teoria se baseia na Geografia, na Matemática e na Numeorologia. Nissim garante que se eu lhe desse ouvidos teria um furo de reportagem e ganharia notoriedade internacional. Sou cético, mas não vou matá-lo como fez Pyle.
Considero o Brasil com condições reais de apresentar uma nova civilização, mas que deve esperar pelo menos 20 anos para oferecer serviços que não frustrem ou enojem Pierre e não levem meu amigo romeno à loucura.
Procuro pensar como Darcy Ribeiro, falando sobre o Brasil, no discurso de Petit Trianon, que o País é "uma romanidade tardia, tropical e mestiça. Uma nova Roma, melhor, porque racialmente lavada em sangue índio, em sangue negro. Culturalmente plasmada pela fusão do saber e das emoções de nossas três matrizes; iluminda pela pela experiência milenar dos índios para a vida no trópico; espiritualizada pelo senso musical e pela religiosidade do negro".
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