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sábado, 19 de novembro de 2011

A ficção que embalava os sonhos de Maika, a falsa judia



Ha alguma manifestação artística que caberia a história de Maika, a judia. Na verdade, esse não era seu nome verdadeiro e nem tampouco era judia aquela que eu conheci. Sua passagem marcou profundamente minha adolescência e boa parte parte da vida adulta. Fui moldando minha formação e meu gosto literário, bebendo dos livros emprestados daquela mulher morena, de seios volumosos, olhos castanhos e com uma das bocas mais lindas que já tinha visto quando recitava poesias.
O que parace mais distante da mentira é que Maika era uma empregada doméstica de uma judia, que se chamava, essa verdadeiramente, Maika. A fêmea de carne e osso que nos atraía à sua casa com pretextos de saraus, dizia-se parte do Povo Eleito. Há algumas décadas, contava, ascendentes seus vieram ao Brasil, ao conseguir fugir das perseguições nazistas e, sobretudo, dos campo de concentração. Saíram da Bulgária, através de Portugal, e se instalaram num pequeno povoado do interior gaúcho. Pouco se sabe da história de Maika auto ego e a que trazia na sua linhagem a estela de Davi, porque essa ficou ensombreada pela falsa.
Aos poucos, fomos sabendo que herdou a casa, os livros e a identidade da patroa já falecida. Então, posso compreender porque não sabíamos muito das tradições judaicas. Na minha ingenuidade, percebia no primeiro momento que assim como sua cor havia se miscigenado, suas referências intelectuais se tornaram universais, multiraciais e antrópicas.
No entanto, chegamos a imaginar o que aconteceu com a autêntica, pelo que externava a cópia, sempre muito extrovertida, letrada, conhecedora da obra de Jorge Amado (daí passei a amar, primeiramente platonicamente, a Bahia) e os clássicos: T.S Eliot, Ezra Pound e Emily Dickinson. Sabia versos decorados, que entoava com tons equilibrados de dramaticidade ou deslumbramento, dependendo da ocasião. Infelizmente, isso acontecia menos nos momentos em que se encontrava sóbria.
Entre delírios etílicos e sem a definição do que era crível, conviviamos com a antonomásia. Por tanto, soube que havia nascido no Rio Grande do Sul.
Depois, os pais faleceram. Com os recursos deixados pela família veio para ao Nordeste, morando na Bahia, onde teve uma filha, e conheceu o Ceará, onde se encantou com o litoral, o provincianismo e a hospitalidade locais. Sem trabalho e com a velhice avançando, foi se desfazendo dos bens, ficando apenas uma casa com três quartos e uma grande biblioteca, com muitos livros publicados em Inglês e outra parte em Português.
Certa noite, quando eu e um amigo bebíamos em sua casa, ela falou frases numa língua desconhecida. Disse que era hebraico. Não podíamos contestar. Mas quando recitou Terra Arrasada, de Eliot, acompanhei num livro, e vi que na tradução não faltava uma palavra.
O que é verdadeiro ou não nessa história, nunca procurei saber tenazmente. Alguns fatos me foram expostos, quisesse ou não reconhecê-los. Preferi, por muito tempo, acreditar que nada merecia ser questionado e sim lamentado: a descaracterização que via em cada dia no rosto daquela mulher, embriagada e pedindo sempre dinheiro para beber mais.
A dúvida pelo atavismo capenga, o irracional no lugar do racional, o virtual, o simulado e a ficção se sobrepondo o absoluto chegariam a um fim. Não da forma cruel como aconteceu. Contudo, surgiu do fato de que nenhuma mentira perdura a vida toda ou por muito tempo. Cedo ou tarde, alguém desconfia, suspeita, investiga, bisbilhota e desconstrói a fantasia. Aí resplandeceram os apontadores de dedos, os mestres na destruição de sonhos, as serpentes que invadem o paraíso, tal como relata o livro de Moisés.
A doméstica, pela bebida e pela realidade que não conseguia extirpá-la da sua vida, ia ficando feia e desesperada, como personagens de literatura já conhecidos e outros que estariam em elaboração. Já prestes a me despedir dela e do lugar onde vivia, perguntei sem nenhuma pretensão de fazê-la sofrer, sobre que nome gostaria de ter, se lhe fosse dada uma escolha. "Maika. Não consigo me ver sem este nome". E assim viveu o mito, que foi mais resistente do que a verdade.

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